segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

UM OLHAR INTERPRETATIVO DAS CANÇÕES DE CHICO


Agradando-me a leitura do recém-lançado livro do escritor paraibano Rui Leitão, que aqui dispensa apresentação pela sua representatividade no campo das letras.
Em "Um Olhar Interpretativo das Canções de Chico", numa pesquisa cuidadosa, ele insere as letras das cem músicas escolhidas na cronologia e no contexto dos fatos ou eventos da época respectiva. E, com muita leveza, utilizando-se de uma linguagem fluente, faz sua interpretação com uma convicção tão enfática, que, penso, nem o próprio Chico Buarque contestaria...(risos), pois conduzida por uma lógica decorrente da observação metódica e dedutiva da obra do artista. Louvável o registro do autor de que o seu olhar particular não o obsta de escutar a opinião dos seus leitores, o que resultará em uma auspiciosa troca de impressões, ratificando, assim, o acerto na escolha do trabalho ora apresentado. (Eneida Dias de Miranda)


Abaixo um trecho do livro no qual o autor Rui Leitão interpreta a música OLÊ, OLÁ!



            Chico Buarque despontava em 1966 como um dos grandes e promissores nomes da MPB. Entre os sucessos da época encontramos "OLÊ, OLÁ", originalmente gravada por Nara Leão. Na letra da canção ele fala de como a música pode contribuir para afastar a tristeza, produzir sentimentos de felicidade. É bem a afirmação de um velho ditado popular que diz: "quem canta, seus males espanta".



"Não chore ainda não / que eu tenho um violão / e nós vamos cantar / felicidade aqui, pode passar e ouvir / e se ela for de samba / há de querer ficar...Tem samba de sobra / ninguém quer sambar / não há mais quem cante / nem há mais lugar / o sol chegou antes / do samba chegar / quem passa nem liga / já vai trabalhar / e você, minha amiga / já pode chorar".




           O "eu lírico" tenta convencer a parceira que não deve chorar, pois ele tem como fazê-la sorrir. Qual a forma que ele propõe como remédio para vencer a tristeza? Cantar. Ele traz consigo um violão e a convida para juntos cantarem. E afirma que não há felicidade que resista ao encantamento de uma melodia. Ela, com certeza, se instala no coração dos que fazem da música a expressão dos seus sentimentos. Felicidade tem tudo a ver com samba.

          É através do toque do sino da igreja que as comunidades são chamadas para reunirem-se e cumprirem um ritual de interesse comum. Por isso, ele apela para que o padre faça esse chamamento. É uma maneira simbólica de dizer que quer todo mundo testemunhando a celebração da alegria que ele quer promover. A noite está apenas começando, o samba acabando de nascer. O que fosse considerado melancolia, desalento, desconsolo, por mais tempo que estivesse sendo vivenciado, não suportaria o poder da música, e morreria.

           O contentamento que nasce da música tem efeito de contágio, se multiplica. Daí falar que tem samba de sobra. Quem se dispuser a dividir com eles o prazer de cantar, que se aproxime. Esse clima de euforia deve ser compartilhado com todos os que souberem dançar. Só há uma condição para entrar na roda: não chorar.

             Renova o pedido para não deixar que o pranto tome conta do seu coração. Ele tem como justificar esse apelo. Ousa em insistir porque sabe que é preciso viver intensamente os prazeres da vida. E quem sabe cantar nunca experimenta o abatimento.

            Seu violão é o instrumento que dispõe para cantar ao mundo sua alegria. E dá força à melodia que sai das cordas do pinho, na intenção de fazer todo mundo perceber que não deve falar de problemas da vida, nem das dores da morte, para evitar dar causa ao choro daquela menina.

          Basta a notícia de que o samba vai dominar o ambiente para desfazer qualquer razão para chorar. Um canto de júbilo, satisfação, entusiasmo, tão forte, que chega a imaginar que a vida vai parar para desfrutar o deleite de escutá-lo.

         O luar sempre foi a grande inspiração dos enamorados e dos violeiros. Assim ele pede para esperar um pouco mais, pois o samba está chegando. Não há cansaço que o faça deixar de chamar para essa roda de samba.

          Embora demonstre toda a vontade de oferecer o samba como fator determinante para a conquista da felicidade, lamenta que a noite tenha passado sem a adesão que esperava. O dia amanheceu trazendo o ritmo dos afazeres cotidianos e ninguém mais atendia seu convite. Mais triste ainda, chegava à conclusão de que não teria como persuadir sua amiga a deixar de chorar.




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